O SINDIMED deu mais um importante passo no caminho de construção do Plano de Cargos, Carreira e Vencimentos dos médicos estatutários de Salvador. A participação do Sindicato teve protagonismo na Audiência Pública, no dia 9 de maio (2024), realizada pela Câmara Municipal de Salvador, por solicitação da vereadora Débora Santana.
Ao abrir a Audiência, Débora Santana falou de sua permanente preocupação com a questão da saúde em Salvador. Relatou que seu mandato tem priorizado projetos e discussões envolvendo esse setor, que ela entende ser um dos mais sensíveis para a população. Sua formação como enfermeira já havia lhe dado as bases para identificar problemas e propor soluções e, agora, como estudante de medicina, ela entende que a responsabilidade torna-se ainda maior na luta pelos direitos de todos do setor saúde.
A iniciativa dessa audiência vem nesse sentido, de preparar bases legais mais sólidas, especialmente para os profissionais médicos, que precisam ter uma carreira consistente no serviço público municipal. “Melhorar as bases de trabalho e dar segurança profissional aos médicos é investimento certo na saúde da população”, definiu a vereadora.
Sindimed atuante
Ao receber da vereadora Débora a tarefa de coordenação da mesa da Audiência, a presidente do Sindimed, Dra. Rita Virgínia, destacou a sensibilidade da parlamentar em relação às políticas públicas de saúde, que impactam diretamente na melhoria do atendimento à população.
Dra. Rita ressaltou a importância desse evento que busca aprofundar a discussão sobre as condições de trabalho dos médicos que atuam na rede de saúde do município. Ela falou, ainda, sobre a atuação permanente do Sindicato que, há mais de um ano, vem negociando a estruturação do Plano de Cargos, Carreira e Vencimentos (PCCV) dos médicos municipais, destacando que esse diálogo com os gestores públicos está se encaminhando para uma redação final.
A presidente, entretanto, disse que os médicos precisam participar mais do Sindicato e que certamente será preciso fazer pressão junto à Câmara e o Executivo pela aprovação e implementação do PCCV.
Concurso público
O primeiro palestrante do evento foi o conselheiro Nelson Pellegrino, do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado. Ele iniciou citando o Art. 37 da Constituição, que disciplina o ingresso no serviço público obrigatoriamente por concurso e prova de títulos. Afirmou que há sim excepcionalidades, como o Reda, mas assinalou que as exceções estão sendo utilizadas como regra e isso é um problema.
O conselheiro chamou a atenção para os riscos das diversas formas precarizadas de contratação, a exemplo de Pessoa Jurídica, cooperativas duvidosas, OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) e credenciamento. Lembrou, na sequência, que os gestores públicos podem ser responsabilizados pelos desvios e até, em caso de calote, podem ser chamados a responder solidariamente com as empresas que terceirizam mão de obra.
Pellegrino deixou como mensagem final a afirmação de que assim como cabe ao Sindicato zelar pelo cumprimento das normas de inserção no mercado de trabalho, o Tribunal de Contas tem se debruçado sobre esses problemas no sentido de coibir as burlas.
Vínculos, tributação e responsabilidades
A participação da auditora fiscal Milena Montalvão foi de grande importância na Audiência para esclarecer uma questão que deixa em dúvida muitos médicos, sobre as vantagens e desvantagens das diversas modalidades de vínculos contratuais. Ela chamou a atenção para a necessidade de superação da crença recorrente de que a contratação como PJ é vantajosa para o médico.
Apresentando tabelas comparativas que elaborou para analisar as diversas possibilidades de contratos, a auditora afirmou que a pejotização só traz vantagens significativas para os contratantes. Ela mostrou, através de exemplos e aplicação de alíquotas de tributação, que ocorre uma falsa ideia de vantagem para o trabalhador, que foca na ilusão do maior ganho imediato. Mas a longo prazo o prejuízo é grande.
A contratação via CLT oferece várias vantagens que não são visíveis de imediato, mas que produzem efeitos positivos inegáveis. A auditora recomenda que os médicos procurem se informar com maior aprofundamento sobre vantagens e desvantagens, antes de optar por um vínculo PJ.
Para o advogado Carlos Tourinho, cujo escritório tem contrato com o Sindicato, toda prestação de serviço em caráter permanente no serviço público deve se dar através de concurso. Qualquer outro tipo de contratação só pode ser temporária. Isso assegura, inclusive, que sejam contratados os profissionais mais qualificados do mercado, em benefício da população.
Segundo Tourinho, o Ministério Público tem firmado o entendimento de que quando a Prefeitura contrata, sem concurso, de forma precária, médicos cujo serviço é permanente, tal procedimento caracteriza forte indício de fraude ao contrato de trabalho.
A pejotização é claramente uma burla ao concurso público, na medida em que esses vínculos apresentam todas as características de trabalho permanente, quais sejam: subordinação, pessoalidade e continuidade. Com o agravante de que todos os riscos do trabalho são assumidos pela PJ, embora seja ela hipossuficiente nessa relação precarizada. Sequer é assegurado à PJ o direito de greve.
Precarização e judicialização
Outro advogado que presta serviços ao Sindimed, o Dr. Marcelo Barreto, chamou a atenção para os prejuízos que os contratos precários causam aos cofres públicos. “Ao ter seu direito lesado, o médico pode judicializar uma ação pleiteando o reconhecimento do vínculo empregatício, o que certamente trará impactos financeiros ao município”, alerta o advogado.
As judicializações ainda são poucas, assinalou Barreto, na medida em que dos 30 mil médicos em atividade na Bahia, apenas quatro mil são sindicalizados, “mas esse número está crescendo e a judicialização das reclamações será inevitável”, prevê o Dr. Marcelo.
A proposta de PCCV dos médicos ganha ainda maior importância diante de tudo isso. E sua formulação pelo Sindimed está solidamente baseada em pesquisas feitas em todo o país. A Semge, inclusive, concorda que o PCCV é justo e necessário. É preciso, agora, discutir valores para garantir maior incentivo aos profissionais.
O advogado Alessandro Venas, que atua diretamente no Sindimed, lida cotidianamente com situações de precarização e afirma que não há dúvidas quanto à importância de atrair e fixar o médico no serviço público. Assim, o PCCV específico para os médicos é essencial. “Há muito de sacerdotal ainda na profissão, haja vista as agruras que são enfrentadas e superadas pelos médicos na rede pública da cidade, mas as demandas da sociedade são crescentes e o sistema não pode continuar se baseando em sacrifícios pessoais”, declarou.
Venas afirma que certamente a Prefeitura pode garantir melhores condições de trabalho, segurança e um plano de carreira que aponte horizontes profissionais sólidos, como já ocorre em Terezina e Natal – apenas para citar dois exemplos -, cidades que guardam alguma proporcionalidade com Salvador. “Se lá é possível um PCCV elogiável e específico dos médicos, por que aqui não seria?”, pergunta o Dr. Alessandro.
Risco de criminalização
Outras implicações legais preocupantes da contratação PJ foram abordadas pelo advogado Matheus Biset, cujo escritório, especializado em direito criminal, atende aos médicos sindicalizados. Ele deixou claro que existe, perante a lei, a possibilidade de o médico ser também responsabilizado, caso seja caracterizada uma contratação fraudulenta, por burlar os mecanismos constitucionais que regem o serviço público.
“A maioria dos profissionais não tem noção da gravidade de situações que podem advir da vinculação PJ, por isso é importante um alerta: a fraude trabalhista tem previsão no Código Penal”, com essa afirmação, Biset disse que não tem o intuito de amedrontar, mas sim de alertar preventivamente os médicos baianos.
A simples emissão de um recibo ou nota fiscal pode servir como prova de conivência ou cumplicidade com uma fraude perpetrada pelo empregador. O Ministério Público, em diversos estados brasileiros, tem responsabilizado médicos por crime de sonegação fiscal, baseado numa interpretação equivocada do Art. 124 do Código Tributário Nacional (CTN), gerando multas elevadas.
PJ não é opcional
Em sua participação, na Audiência, o médico Marcelo Natan – que há 10 anos atua em Unidades de Pronto Atendimento (UPA) da Prefeitura, contratado como PJ -, denunciou que a vinculação enquanto Pessoa Jurídica é uma imposição da Secretaria de Saúde de Salvador. “Não é facultado aos profissionais escolherem qual a modalidade de contratação desejam. Ou o médico aceita a pejotização, ou não trabalha para a Prefeitura” esclarece o Dr. Natan.
Na UPA de Valéria, onde trabalha, o médico já teve contratação terceirizada através três empresas diferentes. “Além de não termos escolha, ainda estamos submetidos à política de remuneração das empresas que intermediam nosso trabalho. Muitas vezes com redução dos honorários. Não temos garantia de nada, nem perspectiva de melhora. A remuneração está muito defasada, sequer é feita a reposição da inflação”, reclama o médico.
Segundo o Dr. Natan, somente a UPA Marback ainda tem contratos CLT, porque são antigos. Diante do quadro relatado, Dr. Natan lamentou que tão poucos médicos estivessem presentes na Audiência da Câmara.
Participação faz a diferença
A diretora de Assuntos Jurídicos do Sindimed, Dra. Maria Alice Oliveira, destacou a necessidade de engajamento do maior número possível de médicos nessa luta pelo PCCV específico. “Temos, atualmente, cerca de 470 médicos que são servidores municipais. Esses colegas precisam estar atentos e participar das atividades e iniciativas do Sindicato, para que possamos avançar com mais velocidade na consolidação de uma carreira médica na Prefeitura”, sinalizou a Dra. Alice.
Ela destacou, ainda, a importância da Audiência convocada pela Câmara Municipal, como um evento que se inclui nas iniciativas que o Sindimed vem promovendo em prol de todos os médicos do município, sejam concursados ou não. “Nosso Sindicato tem se pautado pela via do diálogo e da negociação, porque sabemos dos impactos sofridos pela população quando ocorre uma paralisação de atendimentos médicos”, concluiu a diretora.
Convidado a também integrar a mesa da Audiência, o conselheiro do Cremeb, Dr. Guilherme Lazzari, corroborou o entendimento de que a profissão médica está sendo degradada e que é preciso que se adote uma visão de futuro para a carreira no serviço público, de forma ética e responsável.
A tudo que já havia sido dito pelos oradores que o antecederam, o conselheiro acrescentou a preocupação em especial com as médicas, assinalando que a balança é ainda mais desigual para as mulheres que, com vínculos de trabalho precários, sequer podem engravidar sem sofrer perdas em seus rendimentos. “É importante lembrar que, como PJ, as médicas não gozam do direito à licença maternidade”, pontou Lazzari.
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LINK DA AUDIÊNCIA PÚBLICA:
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